Literatura, Cultura e Educação : O Dilema de Bakhtin (SEGUNDA PARTE)




MINHA VISÃO DA APLICAÇÃO DAS TEORIAS BAKHTIANAS NA SALA DE AULA

Profª Vera Dias

Continuamos aqui falando ainda da obra de Bakhtin tomando por base a crônica de Godofredo.
Gostaria de tratar aqui com vcs, queridas alunas, a contribuição das teorias de Bakhtin para a Educação.  Embora reconheça que muito embora Bakhtin não se tenha expressado explicitamente acerca da Educação e suas questões, estas podem ser deduzidas a partir de seu contributo da valorização ao social, do outro, da cultura, linguagem e interação verbal.

Como professora de vcs, do lugar em que me situo como profissional da educação, trago reflexões sobre o ato educativo, a sala de aula, a construção do conhecimento, o papel do professor e do aluno à luz do pensamento de Bakhtin. De fato, admitamos, de tudo que li até hoje , concluo que Bakhtin nunca se deteve explicitamente sobre questões da Educação. Mas toda a sua teoria, ao enfatizar a importância do social, do outro, da cultura, colocando a linguagem como um eixo central e desenvolvendo categorias como interação verbal, dialogia, polifonia, trazem implicações para o campo pedagógico.

 Ele não inaugura uma metodologia, mas conduz a uma nova visão de mundo, que se revela numa forma outra de olhar a educação. A interlocução com Bakhtin produz um efeito transformador: é impossivel resistir às suas provocações. Não se penetra no mundo teórico de Bakhtin sem que se opere mudanças em nossa maneira de ser. 

E refletindo, coloco as seguintes questões em pauta para todas vcs também se debruçarem : 

 O que é o aluno para mim? Objeto que observo e sobre o qual derrubo o " meu saber" ou um sujeito com o qual compartilho experiências? Alguém  a quem não concedo o direito de se expressar, o direito de autoria? Ou quem sabe, apenas reconheço sua voz quando ela é um espelho da minha? Aceito o seu discurso apenas quando reproduz o meu ? O que acontece em minha sala de aula ? Ela é um espaço para monólogos ou o lugar onde muitas vozes diferentes se intercruzam? Que tipo de interações aí transcorrem? Falo para um aluno abstrato ou ele existe para mim marcado pelo tempo e espaço em que vive? Conheço o seu contexto, os seus valores culturais? O conteúdo das disciplinas tem a ver com esse meio cultural, com a vida dos alunos? Minha sala de aula é um espaço de vida ou apenas um espaço assepticamente pedagógico?

Essas são questões que me foram suscitadas  pelas idéias de Bakhtin, eque levaram a um repensar da dinâmica da sala de aula. Ler as obras de Bakhtin e ver através do seu olhar  me fez pensar a relação professor-aluno como uma relação dialógica onde se enfrentam dois sujeitos. A construção do conhecimento passa a ser uma construção partilhada, coletiva, onde o outro é sempre necessário. Esse outro pode ser o professor ou mesmo qualquer um dos alunos, dependendo das circunstâncias. Ensinar e aprender não são vistos como elementos isolados ou excludentes de um processo.A aprendizagem acontece a partir da interação de dois sujeitos: o professor que ensina e o aluno que aprende. Assim o conhecimento é elaborado, disputado no concreto das interlocuções. E a linguagem é o lugar dessa construção; a palavra, a ponte por onde transitam significações. 

É preciso assim, queridas alunas, estar atento para o jogo de simetrias e assimetrias que se sucedem nas relações, sem medo de conviver com a diversidade, com a diferença. Educar não é homogeneizar, produzir em massa, mas produzir singularidades. Deixar vir à tona a diversidade de modos de ser, de fazer, de construir: permitir a réplica, a contra-palavra. Educar é levar o aluno a ser autor, a dizer a própria palavra, a interagir com a língua, a penetrar numa escrita viva e real.

 O professor precisa também ser autor: penetrar na corrente da língua, recuperar sua palavra, sua autonomia, sem fazer dela uma tribuna para o poder, mas um meio de exercer uma autoridade que se conquista no conhecimento partilhado.

 Nesse sentido o professor pode ser visto como um orquestrador de diferentes vozes. A polifonia enfatiza a coexistência de uma pluralidade de vozes que não se fundem em uma única consciência, mas existem em registros diferentes, num dinamismo dialógico. Na perspectiva de Bakhtin, o diálogo não se restringe a uma relação face a face, mas ele é muito mais amplo. Diálogo entre pessoas, entre textos, autores, disciplinas escolares, escola e vida. A vida deve ser levada para dentro das paredes da escola: vida do aluno, vida do professor, vida da comunidade, do país. A palavra que se produz na escola deve refletir essa realidade e a ela retornar. Texto sobre texto, discurso sobre discurso, encontro de saberes, de experiências, de culturas, de sujeitos. Conhecimento produzindo vida, vida produzindo conhecimento. Conhecimento esse que gera compromissos deconstituir o sujeito enquanto cidadão. Fazer do trabalho pedagógico uma elaboração conjunta, não de formas predeterminadas de representar, significar e conhecer o mundo, mas formas culturalmente elaboradas. Observar, aprender e compreender a dinâmica dessa elaboração acaba sendo um dos trabalhos que se colocam para o professor no cotidiano da sala de aula.

Finalizando minha análise , por tudo o que foi dito, concluímos que se Bakhtin fosse vivo e estivesse presente na palestra do professor inglês da crônica de Godofredo, diria a ele simplesmente a respeito da piada de mau gosto daquele aluno sobre a palestra e a fala do professor:

- Camarada , isso não foi dialógico !

Notas da Profª  Vera Dias


1) Bakhtin falaria  mesmo desse jeito chamando o  professor de  camarada : ele era marxista e apoiou  a Revolução de 1917 na Rússia;

2) Segundo o Dicionário Aurélio, Dialógico é aquele que pretende provocar discussão, debate, diálogo.
Exemplo :
"Este é um texto que possui um caráter dialógico".
Assim, ele deve ser lido como início de um debate, despertando interesse pelo assunto e levando a uma tomada de posição do leitor, discordando ou concordado, dando uma resposta ao autor do texto

E um presente para vcs, um vídeo de uma palestra que ocorreu na UnB (Universidade de Brasília com a participação de grandes especialistas estrangeiros sobre a obra de Bakhtin em 2010.

Boa pesquisa queridas alunas !

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