Homenagem a Philip Roth
Publicado em 25/05/2018
Análise da Crônica de Godofredo
As astúcias da razão e as certezas da loucura, literatura, Philipp Roth.
Não tem acaso e coincidências nos processos inconscientes, meu nego, não vem com essa. Falei do romance O complexo de Portnoy, do Roth, das obsessões sexuais no livro, da mãe judia possessiva me trazendo fantasmas e fantasias à noite ao lado das superfícies talássicas moventes das praias catarinenses e cariocas. Madame K. estava produzida, saia curta preta combinando com meias também pretas, blusa vermelha apertada. Flamengo ou Exu, deixo você escolher, respondeu ela ao meu olhar, sorrindo, maliciosa. Logo esclareceu estar na sua fase LGBT. Eu fora ao Instituto de Bilogia para encontrá-la. Freud recebeu André Breton, o papa do surrealismo e Salvador Dali, esse último por interveniência do amigo comum Stefan Sweig, dá para ver a importância da literatura e da arte na psicanálise, né, parceiro? Falei-lhe da referência que fiz, justamente, ao livro de Dines e de Deonísio da Silva a respeito do Stefan Sweig. Sobre os encontros com Freud expliquei-lhe já saber, meu amigo Pierre Daviot me relembrou outro dia. Todo mundo sabe. Evoquei o livro La tâche, lido em francês, do Roth, do professor grego e o seu caso clandestino com a faxineira da Universidade, da sensação de culpa judaico-cristã percorrendo todo o romance. Ela me interrompeu sempre, disse detestar o livro. Alguma coisa a incomoda no particular, só pode ser. Os poetas pressentiram há muito tempo o que a psicanálise vai " descobrir" mais tarde, sussurrou Madame K. , didática. Ela tocou na questão do machismo. Acha que nos meus escritos o protagonismo é sempre dos homens. Não nos romances, ela sublinhou, nesses A caminho do Fundão, por exemplo. Falta mulher decidindo, meu nego, respeita o nosso lugar de fala. Voltei ainda ao Roth e o seu O fantasma sai de cena, o caos do desejo ( li essa frase numa crítica), o idoso operado da próstata se apaixonando por uma jovem de trinta anos, a questão do fim da vida arrasando o leitor. Ela sempre me critica, mas aceito. Li nos anos 70 o romance Angústia para o jantar, do português Sttau Monteiro. O livro trata de um encontro anual entre dois amigos que se encontram há décadas uma vez por ano para jantar. E há décadas não têm assunto para falar. Não que eu não tenha nada para conversar com Madame K. , mas há décadas a gente constrói frases passando ao lado da cabeça de cada um. O nosso encontro, aliás, acabou de repente. Ela marcara de sair da Universidade com uma jovem professora recém concursada. Nem consegui ver as tarântulas do seu laboratório. Me dispensou como um pacote de pipoca vazio jogado no chão. A minha homenagem ao Philipp Roth acho que ela nem notou.
ANÁLISE DA CRÔNICA PELA PROFª VERA DIAS
Godofredo é um escritor antenado e assim como eu, soube do recente falecimento de Philip Roth no dia 22/05, aos 85 anos de idade. Por coincidência eu estava comentando com meu amigo Felipe Munhoz, um jovem escritor que esteve num debate literário com ele recentemente sobre a influência de Roth no seu livro Mentiras, que foi inspirado na obra de Roth.
E acabei escrevendo uma crônica que ia postar para vcs sobre a obra de Roth, mas vou postar aqui minha visão aproveitando mais essa brilhante crônica do Godofredo.Tirando os relatos das escaramuças do escritor com Madame K e suas famosas tarântulas, aproveitando a deixa, além de falar da importância de Roth na literatura, vou focar minha análise de hoje nesse livro que ele mencionou e que li já faz tempo, mas que tem um ponto em comum com o romance Grito de Godofredo : ele toca no tema do desejo na velhice. Se bem que nesse romance, o teatro seja o verdadeiro tema escondido nas relações dos personagens Eugênia e Fausto, sabemos que Godofredo nessa obra procurou se distanciar de uma ideia de velhice como algo morno, quieto, lento ou triste. Eugênia é toda desejo e se alimenta sofregamente da vivacidade trazida pelos 19 anos de Fausto. A relação dos dois vai além de uma relação de aprendiz e mestre. O tema do teatro é apenas fio condutor dessa história.
Desejo, sexo e velhice até pouco tempo eram temas espinhosos, mas na sociedade atual, parece que graças a Godofredo e autores como Roth, estão ganhando um enfoque mais natural e realista. Na verdade, A velhice passou por um grande processo de transformação nas últimas décadas, tanto que a designação do termo ‘terceira idade’ é recente. Atualmente pessoas acima de 65 anos contam com benefícios que as tecnologias biomédicas promoveram para o cuidado em saúde. Observo que, nessa etapa da vida o sexo ainda é permeado por preconceito e por uma visão estereotipada. É como se os idosos não tivessem direito a redescobrir o prazer afetivo-sexual e outras atividades prazerosas como viajar, fazer novos cursos etc. Graças a Deus que essas visões já estão sendo postas de lado e hoje em dia a velhice já mudou de cara: ela é atravessada por inúmeras possibilidades de viver a vida. Porém sinto que o paradigma que a explica e a concebe ainda não está plenamente atualizado face às novas práticas comportamentais e afetiva em nossa sociedade.
E acabei escrevendo uma crônica que ia postar para vcs sobre a obra de Roth, mas vou postar aqui minha visão aproveitando mais essa brilhante crônica do Godofredo.Tirando os relatos das escaramuças do escritor com Madame K e suas famosas tarântulas, aproveitando a deixa, além de falar da importância de Roth na literatura, vou focar minha análise de hoje nesse livro que ele mencionou e que li já faz tempo, mas que tem um ponto em comum com o romance Grito de Godofredo : ele toca no tema do desejo na velhice. Se bem que nesse romance, o teatro seja o verdadeiro tema escondido nas relações dos personagens Eugênia e Fausto, sabemos que Godofredo nessa obra procurou se distanciar de uma ideia de velhice como algo morno, quieto, lento ou triste. Eugênia é toda desejo e se alimenta sofregamente da vivacidade trazida pelos 19 anos de Fausto. A relação dos dois vai além de uma relação de aprendiz e mestre. O tema do teatro é apenas fio condutor dessa história.
Desejo, sexo e velhice até pouco tempo eram temas espinhosos, mas na sociedade atual, parece que graças a Godofredo e autores como Roth, estão ganhando um enfoque mais natural e realista. Na verdade, A velhice passou por um grande processo de transformação nas últimas décadas, tanto que a designação do termo ‘terceira idade’ é recente. Atualmente pessoas acima de 65 anos contam com benefícios que as tecnologias biomédicas promoveram para o cuidado em saúde. Observo que, nessa etapa da vida o sexo ainda é permeado por preconceito e por uma visão estereotipada. É como se os idosos não tivessem direito a redescobrir o prazer afetivo-sexual e outras atividades prazerosas como viajar, fazer novos cursos etc. Graças a Deus que essas visões já estão sendo postas de lado e hoje em dia a velhice já mudou de cara: ela é atravessada por inúmeras possibilidades de viver a vida. Porém sinto que o paradigma que a explica e a concebe ainda não está plenamente atualizado face às novas práticas comportamentais e afetiva em nossa sociedade.
Daí reside o grande mérito da obra de Roth que ele mencionou em sua crônica, "Fantasma sai de cena". Nele, Roth volta aos temas da velhice e da proximidade da morte. Aqui, a ênfase recai no conflito entre a decadência física e mental causada pela idade e a intensidade do desejo, cuja força avassaladora e irracional permanece intacta; tal como - reforçando o paralelo entre criador e criatura - o vigor narrativo e a inteligência analítica de Roth, que continuam mais afiados do que nunca. O autor compôs uma melancólica, e às vezes até engraçada, reflexão sobre o envelhecimento, a mortalidade, a solidão e as perdas que vêm com a passagem do tempo.
Recentemente numa entrevista que li na internet, Roth fez uma declaração que me comoveu : ele dizia que na literatura “envelhecer é um massacre”, mas a cada entrevista que concedia aos jornalistas, ao ser confrontado com a ideia de morrer, ele afirmava estar se sentindo muito bem e feliz com a vida. Creio que toda foi sua obra foi marcada pela ênfase desse conflito gritante e talvez o mais contundente que é precisamos enfrentar em nossas vidas : a luta da vida contra a morte e a recusa em aceitar de antemão que esta última sempre vence.
Creio que Roth foi o maior escritor americano contemporâneo e deveria ter ganho o Prêmio Nobel. Sua literatura, me faz considerar importante e interessante conversar sobre ele, pensar no que ele faz e, evidentemente, lê-lo. Considero-o um dos autores contemporâneos que provam, com seu trabalho, que a literatura é insubstituível e necessária, em que pesem todas as mudanças tecnológicas, todos os avanços, inclusive positivos, nas demais artes, como o cinema, a fotografia, a televisão, o rádio etc.
Que seja sempre lido e lembrado !