Casadinhos de Fresco
CASADINHOS DE FRESCO
publicado em 12/03/2018
O colega fazia conferência no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, no centro do Rio, no belo prédio construído nas primeiras décadas do século XIX, onde funcionou a Academia Real Militar. O IFCS vai tremer, me confidenciou ele, que chegou ao local junto comigo. Ele faria a conferência ao lado de um professor da Universidade de Berlim, um dos maiores militantes da causa gay na Europa, o colega precisou. Gênero, identi...dades e política o tema.O professor brasileiro abriu a conferência. Leu umas frase que me soaram conhecidas - " A união dos dous era tal que uma senhora chamava-lhes casadinhos de fresco". Me lembrei das frases no conto Pílades e Orestes, do Machado . Nunca pensara em Quintanilha e Gonçalves ( os personagens do conto) desse prisma. Mas me assustei. Alguém da plateia interrompeu brutalmente a exposição gritando " você não vai nos dizer que Machado de Assis escreveu texto com esse viés de gênero!" Outros levantaram a voz criticando o exaltadinho, pedindo silêncio. A coisa logo degringolou. Choveram acusações, houve quem cuspisse em vizinhos de cadeira na plateia. E é aí que eu entro. O que que o professor da Letras acha? Gelei. Tinha tido um pesadelo horrível à noite e ainda estava sonolento. Meu professor de Latim do Colégio Santo Antônio de Blumenau, Frei Odorico Durieux, me passava um sabão: quer dizer que o meu aluno preferido, que consegue passar para o Português trechos inteiros da Eneida e verter para o Latim trechos mal traduzidos para o português, o maior latinista discente que tive até hoje, gosta, como me disseram, de ouvir a música A majestade o sabiá, cantada pelo Jair Rodrigues, um lixo, e elogia Oxóssi da floresta em pura blasfêmia? E o Maomé, então também não é Deus,respondi. Como reação, meus dois ouvidos doeram com as palmadas tipo telefone desferidas pelo amado professor. A pergunta da plateia do IFICS doeu igual. Respondi academicamente: As pulsões do personagem, fonte até de desejo, tornam o pecado uma realidade, mas o leitor não é o pecador - se existisse pecado aí. O texto alforria o leitor libidinoso e voyeur . Fez-se silêncio na plateia. Também achei confusa a minha resposta, mas me abriu espaço para sair e pegar o ônibus em direção ao Fundão. Esqueci de precisar que madame K. estava comigo no evento- você lacrou, ela disse baixinho. Até hoje não entendi bem o sentido de lacrou. Fui, através das janelas embaçadas do busão, apreciando a paisagem carioca saudoso do frei Odorico. Os ouvidos doíam.
publicado em 12/03/2018
O colega fazia conferência no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, no centro do Rio, no belo prédio construído nas primeiras décadas do século XIX, onde funcionou a Academia Real Militar. O IFCS vai tremer, me confidenciou ele, que chegou ao local junto comigo. Ele faria a conferência ao lado de um professor da Universidade de Berlim, um dos maiores militantes da causa gay na Europa, o colega precisou. Gênero, identi...dades e política o tema.O professor brasileiro abriu a conferência. Leu umas frase que me soaram conhecidas - " A união dos dous era tal que uma senhora chamava-lhes casadinhos de fresco". Me lembrei das frases no conto Pílades e Orestes, do Machado . Nunca pensara em Quintanilha e Gonçalves ( os personagens do conto) desse prisma. Mas me assustei. Alguém da plateia interrompeu brutalmente a exposição gritando " você não vai nos dizer que Machado de Assis escreveu texto com esse viés de gênero!" Outros levantaram a voz criticando o exaltadinho, pedindo silêncio. A coisa logo degringolou. Choveram acusações, houve quem cuspisse em vizinhos de cadeira na plateia. E é aí que eu entro. O que que o professor da Letras acha? Gelei. Tinha tido um pesadelo horrível à noite e ainda estava sonolento. Meu professor de Latim do Colégio Santo Antônio de Blumenau, Frei Odorico Durieux, me passava um sabão: quer dizer que o meu aluno preferido, que consegue passar para o Português trechos inteiros da Eneida e verter para o Latim trechos mal traduzidos para o português, o maior latinista discente que tive até hoje, gosta, como me disseram, de ouvir a música A majestade o sabiá, cantada pelo Jair Rodrigues, um lixo, e elogia Oxóssi da floresta em pura blasfêmia? E o Maomé, então também não é Deus,respondi. Como reação, meus dois ouvidos doeram com as palmadas tipo telefone desferidas pelo amado professor. A pergunta da plateia do IFICS doeu igual. Respondi academicamente: As pulsões do personagem, fonte até de desejo, tornam o pecado uma realidade, mas o leitor não é o pecador - se existisse pecado aí. O texto alforria o leitor libidinoso e voyeur . Fez-se silêncio na plateia. Também achei confusa a minha resposta, mas me abriu espaço para sair e pegar o ônibus em direção ao Fundão. Esqueci de precisar que madame K. estava comigo no evento- você lacrou, ela disse baixinho. Até hoje não entendi bem o sentido de lacrou. Fui, através das janelas embaçadas do busão, apreciando a paisagem carioca saudoso do frei Odorico. Os ouvidos doíam.
COMENTÁRIO COLOCADO NA POSTAGEM DE GODOFREDO DA VERA DIAS
Beleza de texto amigo , como sempre. E o termo lacrou pode ser considerado uma gíria que significa arrasar, mandar bem.Por exemplo,se digo assim :
"Ontem fui pra um casamento e a noiva tava lacrando!" . A sua querida Madame K. estava te elogiando. Menos mal, para quem na sua crônica anterior estava quase te estapeando ! KKKK
A propósito, adorei especialmente essa sua crônica por me remeter à memória certas expressões. Ela foi também uma maravilhosa viagem ilustrativa aos usos e costumes dos anos 50 e 60 (meu tempo ! KKKK) O que torna deliciosa essa leitura, principalmente para nós sessentões, é resgatar expressões e gírias escondidas há muito nas sombras de nossas lembranças, mas, que escapolem aos borbotões das páginas daquele imaginário livresco e se nos apresentam tão vívidas e atuais como no tempo dos escritos de cada cena das histórias do autor.
Cinquenta anos atrás era comum externar surpresa dizendo: Carambolas! Papagaio! Mostrava-se desagrado afirmando: É de arder! Acho pau! É espeto! É de morte! Ora, que pinóia! Será o Benedito? Se algo nos era agradável manifestávamos satisfação exclamando: Bonito! É uma bola! É um biju! Um brinco! Uma tetéia! Bonita como uma estampa! Bacana!
Receio se expressava assim: Estou frito! Algum bode? Fizeram minha caveira! Para combinar um negócio recorria-se a ditos como: No duro! De fio a pavio. Mulher rica era cheia da gaita. Ir ou vir depressa se cobrava com um chispando! Mentira afirmava-se: É potoca! O gabola era garganta pura! Pessoa franzina não passava de um espirro de gente. Recém-casado chamava-se casadinho de fresco, como vc mencionou. Ser rigoroso era entrar de sola. Pedia-se calma com um sossega o periquito! Externava-se alguma contrariedade falando comigo não, violão! Para cobrar um segredo recorria-se a desembucha, anda!
Diante da possibilidade de um namoro comentava-se: Ela te dá bola. Faz fé com tua cara. Pode dar em cima! Para acusar alguém de esnobismo ou afetação era comum dizer: Não me venhas com chiquê, com nove horas! Até aí morreu o Neves! Era a expressão usada para insinuar que o tempo para determinada providência se esgotara. Mas que mascarado você é! Definia uma pessoa sonsa ou de dupla personalidade. E por ai vai.
No fundo, as gírias de hoje traduzem o mesmo significado de outrora, com a diferença de estarem maquiadas com um vocabulário pesado, sem originalidade e, em muitas situações, chulo. Vide a letra da funkeira Jojo Toddynho ! Deus ! Que pobreza !!! Ou melhor ainda, já que estamos rememorando expressões antigas : esses funkeiros de hoje são verdadeiros energúmenos como dizia minha avó ! (energúmeno = que não faz nada certo, ele parece um verdadeiro retardado mental, mas não se engane, pois ele é único, nem o jumento é tão burro igual ao energúmeno, filho de uma égua.). E tenho dito !
Beleza de texto amigo , como sempre. E o termo lacrou pode ser considerado uma gíria que significa arrasar, mandar bem.Por exemplo,se digo assim :
"Ontem fui pra um casamento e a noiva tava lacrando!" . A sua querida Madame K. estava te elogiando. Menos mal, para quem na sua crônica anterior estava quase te estapeando ! KKKK
A propósito, adorei especialmente essa sua crônica por me remeter à memória certas expressões. Ela foi também uma maravilhosa viagem ilustrativa aos usos e costumes dos anos 50 e 60 (meu tempo ! KKKK) O que torna deliciosa essa leitura, principalmente para nós sessentões, é resgatar expressões e gírias escondidas há muito nas sombras de nossas lembranças, mas, que escapolem aos borbotões das páginas daquele imaginário livresco e se nos apresentam tão vívidas e atuais como no tempo dos escritos de cada cena das histórias do autor.
Cinquenta anos atrás era comum externar surpresa dizendo: Carambolas! Papagaio! Mostrava-se desagrado afirmando: É de arder! Acho pau! É espeto! É de morte! Ora, que pinóia! Será o Benedito? Se algo nos era agradável manifestávamos satisfação exclamando: Bonito! É uma bola! É um biju! Um brinco! Uma tetéia! Bonita como uma estampa! Bacana!
Receio se expressava assim: Estou frito! Algum bode? Fizeram minha caveira! Para combinar um negócio recorria-se a ditos como: No duro! De fio a pavio. Mulher rica era cheia da gaita. Ir ou vir depressa se cobrava com um chispando! Mentira afirmava-se: É potoca! O gabola era garganta pura! Pessoa franzina não passava de um espirro de gente. Recém-casado chamava-se casadinho de fresco, como vc mencionou. Ser rigoroso era entrar de sola. Pedia-se calma com um sossega o periquito! Externava-se alguma contrariedade falando comigo não, violão! Para cobrar um segredo recorria-se a desembucha, anda!
Diante da possibilidade de um namoro comentava-se: Ela te dá bola. Faz fé com tua cara. Pode dar em cima! Para acusar alguém de esnobismo ou afetação era comum dizer: Não me venhas com chiquê, com nove horas! Até aí morreu o Neves! Era a expressão usada para insinuar que o tempo para determinada providência se esgotara. Mas que mascarado você é! Definia uma pessoa sonsa ou de dupla personalidade. E por ai vai.
No fundo, as gírias de hoje traduzem o mesmo significado de outrora, com a diferença de estarem maquiadas com um vocabulário pesado, sem originalidade e, em muitas situações, chulo. Vide a letra da funkeira Jojo Toddynho ! Deus ! Que pobreza !!! Ou melhor ainda, já que estamos rememorando expressões antigas : esses funkeiros de hoje são verdadeiros energúmenos como dizia minha avó ! (energúmeno = que não faz nada certo, ele parece um verdadeiro retardado mental, mas não se engane, pois ele é único, nem o jumento é tão burro igual ao energúmeno, filho de uma égua.). E tenho dito !