Antonio Candido, a Literatura e o Velho Graça
Publicado em 12/05/2017
Antonio Candido. A notícia chegou cedo por um telefonema de São Paulo. O Mestre falecera. O verde recém roçado e roçado pela brisa ensolarada traz Antonio Candido para o Campus da UFRJ. Os limites literários mudam de lugar segundo as épocas,eu ia relembrar na aula de hoje. O extra-literário invade o texto, uma literatura autotélica não existe. Interessa ver como o que vive fora do texto se transforma em estética nas mãos do escritor, daí sim. Não há como definir uma literatura sem levar em consideração o processo histórico. Graciliano Ramos transforma em arte literária questões sociais, históricas e estéticas da sua época. Mas as soluções que propõe estão lá, bonitinhas. Penso no Candido para o texto de abertura da conversa com os orientandos nesta manhã. Nem sei se ele concordaria com tudo o que vou dizer nessa linha. Mas sua presença me passa confiança, estão nos seus livros.
Abraço afetuoso, Candido, e obrigado pelo carinho e pela atenção de sempre.
Comentários da Profª Vera Dias
O Profº Godofredo tem razão quando declarou nessa crônica que não existe uma forma de definirmos a literatura sem levar em consideração o processo histórico que ela faz parte.
No universo amplo dos bens culturais, a expressão literária pode ser
tomada como uma forma de representação social e histórica, sendo testemunha
excepcional de uma época, pois um produto sociocultural, um fato estético e
histórico, que representa as experiências humanas, os hábitos, as atitudes, os
sentimentos, as criações, os pensamentos, as práticas, as inquietações, as
expectativas, as esperanças, os sonhos e as questões diversas que movimentam e
circulam em cada sociedade e tempo histórico.
A literatura registra e expressa aspectos múltiplos do complexo, diversificado e conflituoso campo social no qual se insere e sobre o qual se refere. Ela é constituída a partir do mundo social e cultural e, também, constituinte deste; é testemunha efetuada pelo filtro de um olhar, de uma percepção e leitura da realidade, sendo inscrição, instrumento e proposição de caminhos, de projetos, de valores, de regras, de atitudes, de formas de sentir... Enquanto tal é registro e leitura, interpretação, do que existe e proposição do que pode existir, e aponta a historicidade das experiências de invenção e construção de uma sociedade com todo seu aparato mental e simbólico. Sendo a literatura uma forma de ler, interpretar, dizer e representar o mundo e o tempo, possuindo regras próprias de produção e guardando modos peculiares de aproximação com o real, de criar um mundo possível por meio da narrativa, ela dialoga com a realidade a que refere de modos múltiplos, como a confirmar o que existe ou propor algo novo, a negar o real ou reafirmá-lo, a ultrapassar o que há ou mantê-lo.
Ela é uma reflexão sobre o que existe e projeção do que poderá vir a existir; registra e interpreta o presente, reconstrói o passado e inventa o futuro por meio de uma narrativa pautada no critério de ser verossímil, da estética clássica, ou nas notações da realidade para produzir uma ilusão de real. Como tal é uma prova, um registro, uma leitura das dimensões da experiência social e da invenção desse social, sendo fonte histórica das práticas sociais, de modo geral, e das práticas e fazeres literários em si mesmos, de forma particular.
Antonio Candido, em sua obre "Literatura e Sociedade" (1985) apontou que a
abordagem do texto literário deve articular tanto o intrínseco da obra, logo, seu
conteúdo, que engloba suas temáticas, tramas e dimensões formais, estéticas,
quanto o extrínseco, referindo-se ao contexto social e temporal em que foi escrita.
No contexto do tempo e do lugar, no emaranhado das relações históricas, sociais e
culturais, no qual o texto literário foi elaborado, ele revela sua estética, seu estilo,
sua linguagem, sua escola ou movimento, seus significados, os quais são criações
coletivas e possuem sentidos, aceitação ou rejeição, nesse ambiente e tempo.
Logo, utilizar a literatura como documento a para produção do conhecimento histórico requer também pensar sua estética, o cânone literário pertinente a esse tipo de escrita e que foi considerado para sua avaliação, pois o valor e a importância de um texto literário não são absolutos, podendo o historiador recorrer tanto aos escritores apreciados e reconhecidos como grandes pelo grupo de agentes intelectuais, quanto àqueles considerados como menores e medíocres.
A literatura, como testemunho histórico, é fruto de um processo social e apresenta propriedades específicas que precisam ser interrogadas e analisadas, como qualquer outro documento. Resta ao historiador descobrir, ponderar e detalhar sobre as condições de sua produção, as intenções do autor, a forma como ele realiza sua representação e a relação que esta estabelece com o real, as interpretações ou leituras que suscita sua intervenção como autor, as características específicas da obra e do escritor, da escola em que este concebe seu texto e em que estilo, inserindo-os num processo histórico determinado, em tempo e lugar, visto que esses acontecimentos que expressam são datados e historicamente condicionados.
Quando Antonio Candido se debruçou sobe a obra de Graciliano Ramos ficou patente essa ligação do processo social e histórico que sempre deve ser levado em consideração em uma obra literária. E mais ainda : ele fez essa análise com maestria que, segundo a visão do crítico José Castello,essa maestria não se definia pelo saber acumulado, mas por aquilo que Barthes chamou de Sapientia:"nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria ", conforme escreveu em seu soberbo artigo para o Jornal "O Estadão", em 12/05/2017. (Antonio Candido : O Crítico Desarmado" Clique aqui para lê-lo).
A seguir apresento para vcs, queridas alunas, alguns vídeos importantes com a participação de Antonio Candido realizando uma análise profunda da obra de Graciliano Ramos e sua importância. Atentem para o último vídeo em que se apresenta um resumo do legado de Antonio Candido para a Literatura Brasileira.
E finalizando, tenho para vocês uma biografia escrita por Denis de Moraes, intitulada "O Velho Graça" (Cliquem aqui para baixar).
Simplesmente espetacular !
A literatura registra e expressa aspectos múltiplos do complexo, diversificado e conflituoso campo social no qual se insere e sobre o qual se refere. Ela é constituída a partir do mundo social e cultural e, também, constituinte deste; é testemunha efetuada pelo filtro de um olhar, de uma percepção e leitura da realidade, sendo inscrição, instrumento e proposição de caminhos, de projetos, de valores, de regras, de atitudes, de formas de sentir... Enquanto tal é registro e leitura, interpretação, do que existe e proposição do que pode existir, e aponta a historicidade das experiências de invenção e construção de uma sociedade com todo seu aparato mental e simbólico. Sendo a literatura uma forma de ler, interpretar, dizer e representar o mundo e o tempo, possuindo regras próprias de produção e guardando modos peculiares de aproximação com o real, de criar um mundo possível por meio da narrativa, ela dialoga com a realidade a que refere de modos múltiplos, como a confirmar o que existe ou propor algo novo, a negar o real ou reafirmá-lo, a ultrapassar o que há ou mantê-lo.
Ela é uma reflexão sobre o que existe e projeção do que poderá vir a existir; registra e interpreta o presente, reconstrói o passado e inventa o futuro por meio de uma narrativa pautada no critério de ser verossímil, da estética clássica, ou nas notações da realidade para produzir uma ilusão de real. Como tal é uma prova, um registro, uma leitura das dimensões da experiência social e da invenção desse social, sendo fonte histórica das práticas sociais, de modo geral, e das práticas e fazeres literários em si mesmos, de forma particular.
Logo, utilizar a literatura como documento a para produção do conhecimento histórico requer também pensar sua estética, o cânone literário pertinente a esse tipo de escrita e que foi considerado para sua avaliação, pois o valor e a importância de um texto literário não são absolutos, podendo o historiador recorrer tanto aos escritores apreciados e reconhecidos como grandes pelo grupo de agentes intelectuais, quanto àqueles considerados como menores e medíocres.
A literatura, como testemunho histórico, é fruto de um processo social e apresenta propriedades específicas que precisam ser interrogadas e analisadas, como qualquer outro documento. Resta ao historiador descobrir, ponderar e detalhar sobre as condições de sua produção, as intenções do autor, a forma como ele realiza sua representação e a relação que esta estabelece com o real, as interpretações ou leituras que suscita sua intervenção como autor, as características específicas da obra e do escritor, da escola em que este concebe seu texto e em que estilo, inserindo-os num processo histórico determinado, em tempo e lugar, visto que esses acontecimentos que expressam são datados e historicamente condicionados.
Quando Antonio Candido se debruçou sobe a obra de Graciliano Ramos ficou patente essa ligação do processo social e histórico que sempre deve ser levado em consideração em uma obra literária. E mais ainda : ele fez essa análise com maestria que, segundo a visão do crítico José Castello,essa maestria não se definia pelo saber acumulado, mas por aquilo que Barthes chamou de Sapientia:"nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria ", conforme escreveu em seu soberbo artigo para o Jornal "O Estadão", em 12/05/2017. (Antonio Candido : O Crítico Desarmado" Clique aqui para lê-lo).
A seguir apresento para vcs, queridas alunas, alguns vídeos importantes com a participação de Antonio Candido realizando uma análise profunda da obra de Graciliano Ramos e sua importância. Atentem para o último vídeo em que se apresenta um resumo do legado de Antonio Candido para a Literatura Brasileira.
E finalizando, tenho para vocês uma biografia escrita por Denis de Moraes, intitulada "O Velho Graça" (Cliquem aqui para baixar).
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Bom proveito e estudos !
Vídeos com Antônio Cândido Falando sobre Obras de Graciliano Ramos
Parte 1
Parte 2
Parte 3
O Legado de Antonio Candido
Breve Biografia de Antonio Candido
Antonio Candido nasceu em 1918, no Rio de Janeiro. Considerado o maior intelectual brasileiro, estabeleceu novos paradigmas para a crítica literária com sua atuação na revista Clima, nos anos 1940, e com o clássico Formação da literatura brasileira (1959). Sua extensa obra inclui livros como Tese e antítese, Literatura e sociedade e O discurso e a cidade, entre muitos outros. Foi professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), onde lecionou teoria literária e literatura comparada, e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), além de doutor honoris causa pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde fundou o Instituto de Estudos da Linguagem. Como literato recebeu os prêmios Jabuti (1960, 1965, 1966 e 1993), Machado de Assis (1993), Camões (1998), Juca Pato (2007), entre outros. Antonio Candido faleceu em maio de 2017, aos 98 anos.
Breve Biografia de Graciliano Ramos
Graciliano Ramos (1892-1953) foi um escritor brasileiro. O romance "Vidas Secas" foi sua obra de maior destaque. É considerado o melhor ficcionista do Modernismo e o prosador mais importante da Segunda Fase do Modernismo. Suas obras embora tratem de problemas sociais do Nordeste brasileiro, apresentam uma visão crítica das relações humanas, que as tornam de interesse universal. Seus livros foram traduzidos para vários países. Seus trabalhos "Vidas Secas", "São Bernardo" e "Memórias do Cárcere", foram levados para o cinema. Recebeu o Prêmio da Fundação William Faulkner, dos Estados Unidos, pela obra "Vidas Secas".
Graciliano Ramos (1892-1953) nasceu na cidade de Quebrângulo, Alagoas, no dia 27 de outubro de 1892. Era o primogênito de quinze filhos, de uma família de classe média do Sertão nordestino. Passou parte de sua infância na cidade de Buíque, em Pernambuco, e parte em Viçosa, Alagoas. Fez seus estudos secundários em Maceió. Não cursou nenhuma faculdade.
Em 1910 foi com a família morar em Palmeira dos Índios, Alagoas, onde seu pai abriu um pequeno comércio. Em 1914 foi para o Rio de Janeiro trabalhar como revisor dos jornais Correio da Manhã e A Tarde. Voltou para a cidade de Palmeira dos Índios onde trabalhou com o pai, no comércio. Em 1927 foi eleito prefeito da cidade, assumindo o cargo em 1928. Mudou-se para Maceió, em 1930, onde assumiu a direção da Imprensa Oficial e da Instrução Pública do Estado.
Graciliano Ramos estreou na literatura em 1933 com o romance "Caetés". Nessa época mantinha contato com José Lins do Rego, Raquel de Queiroz e Jorge Amado. Em 1934 publicou o romance "São Bernardo" e em 1936 publicou "Angústia". Nesse mesmo ano, ainda no cargo de Diretor da Imprensa Oficial e da Instrução Pública do Estado, foi preso sob acusação de participar do movimento de esquerda. Após sofrer humilhações e percorrer vários presídios, foi libertado em janeiro de 1937. Essas experiências pessoais e dolorosas de sua vida, foram retratadas no livro "Memórias do Cárcere", publicado após sua morte. O romance "Vidas secas", escrito em 1938 é a sua obra mais importante.
Graciliano Ramos seguiu para o Rio de Janeiro, onde fixou residência e foi trabalhar como Inspetor Federal de Ensino. Em 1945 ingressou no Partido Comunista brasileiro. Em 1951 foi eleito presidente da Associação Brasileira de Escritores. Em 1952 viajou para os países socialistas do Leste Europeu, experiência descrita na obra "Viagem", publicada em 1954, após sua morte.
Graciliano Ramos faleceu no Rio de Janeiro, no dia 20 de março de 1953.
Obras de Graciliano Ramos
Caetés, romance, 1933
São Bernardo, romance, 1934
Angústia, romance, 1936
Vidas Secas, romance, 1938
A Terra dos Meninos Pelados, literatura juvenil, 1942
História de Alexandre, literatura juvenil, 1944
Dois Dedos, literatura infantil, 1945
Infância, memórias, 1945
Histórias Incompletas, literatura infantil, 1946
Insônia, contos, 1947
Memórias do Cárcere, memórias, 1953
Viagem, memórias, 1954
Linhas Tortas, crônicas, 1962
Viventes das Alagoas, costumes do Nordeste, 1962
Graciliano Ramos está presente na
obra ficcional do escritor Godofredo.
Trabalho acadêmico na pós-graduação da USP, sobre Graciliano Ramos e Eça de Queirós, baseia-se, principalmente, na obra de Antonio Candido e Godofredo de Oliveira Neto. A pesquisa foi publicada na revista Crioula por
Natasha Gonçalves Otsuka.
Natasha Gonçalves Otsuka.
Resumo do artigo:
Cidade, serra e sertão compõem a geografia dos dois romances analisados: A cidade e as serras e São Bernardo, de Eça de Queirós e Graciliano Ramos, respectivamente. Em ambas as narrativas, a casa figura como elemento central do relato. Pretende-se discutir no presente trabalho as relações estabelecidas entre casa, geografia e os personagens da narrativa. Como aparato teórico, foram utilizados estudos de Gaston Bachelard, Michel Collot, Antônio Cândido e
Godofredo de Oliveira Neto.
E uma Reportagem da Revista Veja mostrando a entrevista com a historiadora e antropóloga
Lilia Moritz Schwarcz sobre a importância da obra de Antônio Cândido
Cliquem aqui para ler