Dossiê de Camus





O excelente dossiê sobre Camus publicado no Prosa do Globo deste sábado e a aproximação do aniversário do autor de O Estrangeiro suscita algumas reflexões. Para o narrador de Camus, mentir não é apenas dizer o que não é; mas, principalmente, dizer mais do que é, dizer mais do que se sente. O personagem de O estrangeiro se recusa a ocultar seus sentimentos. Como Camus publicou logo depois de O estrangeiro o O mito de Sísifo, a crítica em geral leu o romance como a ilustração desse mito. O absurdo do sujeito empurrando a grande pedra morro acima indefinidamente é um sofrimento do espírito nascido do confronto entre o pedido de socorro humano e o silêncio do mundo. A angústia decorre da distância entre os nossos desejos absolutos e o vazio que o universo nos propõe. Para Sartre, a propósito do livro de Camus, o estrangeiro enxerga o mundo através de uma vidraça. Mas certas transparências são paradoxalmente opacas. Barthes, sobre o O estrangeiro, diz que a palavra transparente do autor é ausência ideal de estilo. Através da vidraça, seja em Florianópolis ( Nikki) ou em Argel, enxerga-se quase tudo, os gestos, as expressões faciais, só não uma coisa: o sentido desses gestos. Mas há solução. O vidro é a consciência, cabe optar por um que nos abra o espírito. 

Campus da UFRJ hoje a mil, sol rasante, conhecimento florido, eflúvios ainda da aplicação do CELPEBRAS, saberes estrangeiros potencializando o nosso.



Postado em 3/11/2013








Observações e Comentários da Profº Vera Dias


Foi bastante proveitosa a leitura dessa pequena postagem de Godofredo. E bastante oportuna pois dia 07 de novembro se comemorará 104 anos do nascimento de Albert Camus, prêmio Nobel de Literatura de 1957. O dossiê a que Godofredo se refere pode ser lido clicando aqui. Foi publicado na seção "Prosa e Verso" no dia 02/11/2013 do jornal "O GLOBO".

Camus foi  foi um escritor, romancista, ensaísta, dramaturgo e filósofo francês nascido na Argélia. Foi também jornalista militante engajado na Resistência Francesa e nas discussões morais do pós-guerra. Na sua terra natal viveu sob o signo da guerra, fome e miséria, elementos que, aliados ao sol, formam alguns dos pilares que orientaram o desenvolvimento do pensamento do escritor.

Esse autor foi um dos maiores escritores que eu já tive o prazer de ler. Comecei a me familiarizar com sua prosa no meu primeiro ano do curso de Letras na UERJ, quando minha Profª Maria Lúcia Villard, introduziu a turma nos estudos e análise de seus livros e nos pediu para criar artigos com base em dois livros famosos do autor, "A Peste" e "O Estrangeiro" . Desde então, imitando-a, passei a recomendar a meus proprios alunos seus romances clássicos “O Estrangeiro”, “A Queda”, seu livro de contos “O Exílio e o Reino”, o livro de peças “O Avesso e o Direito”, além dos viscerais “O Mito de Sísifo” e “A Peste” que já mencionei, não esquecendo do extraordinário tratado político-filosófico “O Homem Revoltado”, este responsável por deixar Camus isolado no espectro político de sua época. É uma obra extraordinária.
Albert Camus é um exemplo de pensador que não se rende a ideologia alguma, que se mantém íntegro em suas convicções, que tem a coragem de criticar o que na sua visão está errado, mesmo sendo companheiros, amigos, camaradas, ou adversários, rivais, inimigos. É a capacidade de manter a sua integridade mental livre de submissão, não se corromper jamais, não se deixar enganar, não ceder por interesses ou privilégios, manter sua liberdade – a única liberdade que temos nessa vida, a liberdade mental -, mas isso é para poucos! Pouquíssimos!!! A solidão quase sempre é inevitável! E o ódio de todos a sua volta é terrível! Sem falar nas traições e decepções devastadoras que atingem um ser deste tipo! Além das inúmeras injustiças e acusações que se deve passar, e sabe porquê? Por ter a audácia que eles não tem! É isso!
A meu ver algumas figuras históricas tem essa característica, os cito: Maximilien de Robespierre, Louis Antoine Léon de Saint-Just, François Noël Babeuf e Karl Marx. Dentre os escritores: Louis-Ferdinand Céline, George Orwell e Guy Debord. Em meus 61 anos de existência, não tive o prazer de conhecer ninguém que a meu ver possa se encaixar nessas qualidades, mas o futuro ainda está por vir!
Recordando as leituras destes livros, me remete à lembrança de um trecho de “A Queda” que na época me impactou muito. O personagem passa a noite em uma taverna de Amsterdã bebendo e conversando com diversas pessoas, ao sair na penumbra da madrugada, ele perambula solitário pelas ruas da cidade deserta. Até que ouve o barulho de algo caindo na água, ele olha e assiste de relance o corpo de uma jovem mergulhando na água, e concluí que ela se atirou da ponte, numa tentativa de suicídio? ou assassinato? Então, por um breve momento, tudo se congela e a questão surge em sua mente: Corro e me atiro na água para tentar salvá-la, ou sigo o meu caminho por entre as ruas, solitário na noite fria e escura?
Sim, ele segue em frente, não se arrisca, não quer se molhar, não quer sair da acomodação de sua existência  ordinária/medíocre/mesquinha.
No final do livro, uma das características do texto de Camus, mesclar a desgraça e o absurdo, com a ironia esmagadora e trágica, o que é afinal, um resumo da existência humana.
Um viva para a genialidade imensurável desse autor!
“há anos, não pararam de ressoar nas minhas noites e que eu direi, enfim, pela sua boca: “Ó jovem, atire-se de novo na aguá, para que eu tenha, pela segunda vez, a oportunidade de nos salvar a ambos!” Pela segunda vez, hem, que imprudência! Imagine, caro colega, que nos levem ao pé da letra? Seria preciso cumprir. Brr…! A água está tão fria! Mas tranquilizemo-nos! É tarde demais, agora, será sempre tarde demais. Felizmente!
Citações de diversos livros:
“Brutus, que devia se matar se não matasse os outros, começa matando os outros. Mas os outros são muitos, não se pode matar tudo. É preciso então morrer, demonstrando mais uma vez que a revolta, quando é desregrada, oscila da aniquilação à destruição de si próprio.”
“A liberdade absoluta é o direito do mais forte de dominar. Ela mantém portanto os conflitos que se beneficiam da injustiça. A justiça absoluta passa pela supressão de toda contradição: ela destrói a liberdade. A revolução para obter justiça, pela liberdade, acaba jogando uma contra a outra. Desta forma, em toda revolução, uma vez liquidada a casta que até então dominava, há uma etapa em que ela própria acarreta um movimento de revolta que indica seus limites e anuncia suas oportunidades de malogro. A revolução propõe-se, em primeiro lugar, satisfazer o espírito de revolta que lhe deu origem; obriga-se em seguida a negá-lo, para melhor afirmar-se a si mesma. Parece haver uma oposição irredutível entre o movimento da revolta e as aquisições da revolução.”
“Diante desse mal, diante da morte, o homem, no mais profundo de si mesmo, clama por justiça. O cristianismo histórico só respondeu a esse protesto contra o mal pela anunciação do reino e, depois, da vida eterna, que exige a fé.
Mas o sofrimento desgasta a esperança e a fé, ele continua então solitário e sem explicação. As multidões que trabalham, cansadas de sofrer e morrer, são multidões sem Deus. Nosso lugar, a partir de então, é a seu lado, longe dos antigos e dos novos doutores espirituais.
O cristianismo histórico adia para além da história a cura da miséria e do assassinato, que, no entanto, são sofridos na história.”


“Há vinte séculos, a somo total do mal não diminuiu no mundo.”
“Uma injustiça continua imbricada em todo sofrimento, mesmo o mais merecido aos olhos dos homens.”
“Se os princípios mentem, somente a realidade da miséria e do trabalho é verdadeira.”
“Ah, meu amigo, sabe o que é a criatura solitária, vagando pelas grandes cidades?…”
“A morte é solitária, ao passo que a servidão é coletiva.”
“Sou ligado ao mundo por todos os meus gestos; aos homens, por toda a minha piedade e o meu reconhecimento.”
“Eu me revolto, logo existimos.”
“Simplesmente, no dia em que estabelecer o equilíbrio entre o que sou e o que digo…”
“Não desejo mais ser feliz, e sim apenas estar consciente.”
“Sem país, sem cidade, sem quarto e sem nome, loucura ou conquista, humilhação ou inspiração, eu iria saber ou me consumir?”
“Truque clássico: eu queria transformar a minha revolta em melancolia.”
“Sim, talvez seja a felicidade, o sentimento piedoso de nossa infelicidade.”
“Se não se pode aceitar o sofrimento dos outros, algo no mundo não se justifica.”
“Por que o mal seria castigado, se temos visto exaustivamente que o bem não é recompensado?”
“Que diferença faz isso, se tudo se aceita?”

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