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Mostrando postagens de outubro, 2017

Dossiê de Camus

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O excelente dossiê sobre Camus publicado no Prosa do Globo deste sábado e a aproximação do aniversário do autor de O Estrangeiro suscita algumas reflexões. Para o narrador de Camus, mentir não é apenas dizer o que não é; mas, principalmente, dizer mais do que é, dizer mais do que se sente. O personagem de O estrangeiro se recusa a ocultar seus sentimentos. Como Camus publicou logo depois de O estrangeiro o O mito de Sísifo , a crítica em geral  leu o romance como a ilustração desse mito. O absurdo do sujeito empurrando a grande pedra morro acima indefinidamente é um sofrimento do espírito nascido do confronto entre o pedido de socorro humano e o silêncio do mundo. A angústia decorre da distância entre os nossos desejos absolutos e o vazio que o universo nos propõe. Para Sartre, a propósito do livro de Camus, o estrangeiro enxerga o mundo através de uma vidraça. Mas certas transparências são paradoxalmente opacas. Barthes, sobre o O estrangeiro, diz que a palavra transparent...

Apologia da História

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Comentam-se pelos bancos escolares do imperial Palácio Universitário do Campus da Praia Vermelha da UFRJ, das Unidades acadêmicas no Centro do Rio e nos gramados e corredores do Campus do Fundão, as recentes decisões do STF em Brasília. Relembre-se, por oportuno, que não há verdade absoluta e definitiva. Cada época fabrica mentalmente a sua representação do presente e do seu passado histórico. Uma visão mística do Universo caracteriza o século XVI, basta reler o majestoso Os Lusíadas, tanto sob o ponto de vista histórico quanto estético. Um mundo povoado por potências invisíveis, forças e espíritos que nos sitiam arbitrando, por assim dizer, o nosso destino. H istoriadores explicam o papel das ciências da Vida e da Terra no pensamento do século XVIII e as lições de Física de Newton no universo literário de Voltaire. Ou pensemos na estética literária de Machado de Assis e no seu narrador multiperspectivado retinindo os estudos do cérebro de então e as dificuldade para apreende...

Cruz e Sousa

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Os lábios dos flamboyants do Campus da UFRJ estão atiçados este ano por um vermelho particularmente vivo e empurram a gente para aquele ponto cego da consciência onde se batem, em duelo mortal, a razão e as emoções. Ali viceja a arte. Foi pensando no nosso Cruz e Sousa, no 2013 algo demente que se vai, na loucura e no papel da literatura nos ajustes da sociedade que rocei aquelas flores. "O luar dava-me a impressão difusa e dormente de um estagnado lago sulfurescente, onde eu e ela, abraçados na suprema loucura, ela na loucura do Real, eu na loucura do Sonho, fôssemos boiando, sem rumos imaginados....." Os versos do poeta que lutou até o fim contra a discriminação e o preconceito apontam para o papel a ser desempenhado pelo artista? Há quem faça uma analogia entre o estilo pessoal do escritor e a gramática pessoal do sonhador. Mas a diferença de estilo acontece no interior de uma escritura já estabelecida e conhecida pelo narrador e pelo leitor. Já o sonho, que não tem c...

Quanto tempo Durou o Casamento de Bentinho e Capitu ?

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Amor, ciúmes, Capitu e Machado de Assis. O Campus da UFRJ da Praia Vermelha impressiona sempre. História, lutas democráticas, arquitetura, paisagem, juventude transformadora. Dispúnhamos, madame K. e eu, de duas horas no Instituto de Psicologia. Em vista uma palestra baseada nas teorias de Hélio Pellegrino, o notável psicanalista, tendo por eixo o romance Dom Casmurro. Estávamos compondo um texto sobre literatura e ciência para célebre revista científic a novayorquina. A jovem conferencista uspiana, com sotaque paulista e tudo, se esmerava nas explicações iniciais. O amor é hormonal. Glândulas se mobilizam estimuladas por um elemento exterior e secretam forte sensação que pode ir de um desejo carnal intenso a um vigoroso e incontrolável sentimento de afeto - não são excludentes, precisou. A palestrante fazia caras e bocas, apontava o dedo para a plateia, alisava os cabelos, parecia falar sobre um caso pessoal. Essa reação hormonal é cíclica e intermitente, é da sua natureza, não t...